É possível provar?
Um dos grandes fantasmas da vida de nós brasileiros é a corrupção: tal qual uma sombra infinita, a corrupção tem se revelado quase onipotente na vida do brasileiro.
Democrática, não escolhe classe social, credo, cor nem idade e onde há uma fresta, ela penetra mais facilmente do que água.
Atualmente tomamos consciência de que a corrupção não está encapsulada em Brasília ou dentro das repartições públicas, como a cepa de um vírus mortal presa em um tubo de ensaio. Ao revés, a corrupção está dentro de todos nós, à espreita da oportunidade para eclodir como uma bactéria assaz agressiva ou esperando baixarmos a guarda de nossos valores ético-morais.
A corrupção é endêmica, contagiosa e difícil de ser combatida também na esfera privada.
E muito difícil igualmente de ser COMPROVADA.
Nos condomínios não poderia ser diferente e LAMENTAVELMENTE, UM DOS MOMENTOS EM QUE A CORRUPÇÃO PODE SURGIR COMO UMA MOLÉSTIA que corroerá o patrimônio condominial é exatamente quando o condomínio mais carece de economia: NA CONTRATAÇÃO E CONDUÇÃO DE OBRAS.
Existem diversas formas de se contratar uma obra de forma corrupta, e uma das mais conhecidas é a obra SOBREFATURADA.
Na obra sobrefaturada, o contratado ou a contratada e o grupo ou pessoa responsável pela obra (síndico ou comissão) celebram a avença com uma pessoa física ou jurídica de modo a se cobrar mais do que vale o serviço e assim, destinam a si próprios ou terceiros beneficiários percentual (geralmente significativo) daquela verba que oficialmente seria destinada ao pagamento de quem realizaria o trabalho.
Nem sempre rastrear o dinheiro é suficiente, porque em certas ocasiões os corruptos e corruptores arquitetam com engenhosidade a forma de maquiar e ocultar o desvio patrimonial havido.
Como então comprovar a prática da corrupção aludida?
Não é fácil.
Primeiro, temos que conceituar que a corrupção relacionada à obra sobrefaturada é CRIME, e pode ser considerada como APROPRIAÇÃO INDÉBITA e até ESTELIONATO.
Segundo, devemos frisar que além de conduta penalmente relevante, o ato também é tratado como ilícito civil e tributário, por lesar terceiros e o fisco.
O primeiro passo para investigar e punir os responsáveis por tal ato é encontrar indícios dessa corrupção.
Os indícios não são provas por si só, mas a aglutinação deles criar um mosaico probatório, porque aglomerados eles têm significado, que mesmo que não seja definitivo pode confluir a novas provas no futuro.
Os indícios podem ser vários: notas fiscais ou recibos suspeitos, empresas contratadas sem nenhuma referência, contratação sem aprovação assemblear, falta de cobrança do corpo diretivo sobre a empresa contratada (às vezes por "terem o rabo preso", e até transferências de recursos do condomínio a terceiros de forma suspeita.
Outro indício a ser levado em conta é quando existe real deproporcionalidade entre o valor pago e a dimensão do serviço prestado.
Nem todos os preços são iguais e diferentes profissionais cobram diferentes preços conforme o grau de especialização, zelo, forma de atuação e até definições distintas de margem de lucro, mas se a desproporção for de magnitude exacerbada, merecerá um pedido de explicações no mínimo.
Existe uma forma de sobrefaturamento que é bastante nociva e tivemos contato com ela nesta semana no curso de uma perícia judicial: SUCATEAMENTO DA OBRA.
Neste caso, você analisa o contrato e o custo está OK, você analisa a obra superficialmente e forma de pagamento assim como número de funcionários e aparentemente está tudo NORMAL.
Porém, quando investiga de maneira mais aprofundada, apura por exemplo que:
- a empresa deixou de inserir lajes em área externa e havia sido paga para fazê-lo (ocultou essa ausência com gesso);
- a empresa prometeu instalar eletrodutos por dentro de um forro e não o fez: passou os fios desprotegidos;
- a empresa prometeu utilizar manta impermeabilizante de 4 mm (vide minuta contratual) e não utilizou manta de espessura menor e qualidade inferior;
No caso em tela, quando o condomínio passou a investigar, acabou se deparando com um caso grave de corrupção que envolvia o antigo síndico, ex- administrador e sócio do ex-síndico do prédio.
Todos estavam desviando parte da verba da obra com a anuência da construtora, e repartindo o "bolo", prestando formalmente uma obra parecida com a descrita na avença mas que na prática era muito inferior.
Foi apurado que parte dos valores foi depositada nas contas bancárias da esposa do ex-síndico, do seu sócio e de terceiros desconhecidos da relação jurídica atinente ao contrato celebrado para a obra.
Em Juízo, o ex-síndico alegou que EMPRESTOU valores à empresa contratada para aumentar o seu fluxo de caixa e depois esta devolveria tais quantias com juros, deixando de confessar a prática de sobrefaturamento em obra, mas confessando possível crime de USURA.
Advertido pelo Juiz a esse respeito e também por nossa equipe, manteve a versão.
Por isso, o Juiz nomeou um perito para apresentar laudo que examine o custo e qualidade das obras contratadas, sendo que a prova pericial será em vista dos documentos que comprovam o desvio de recursos a única chance do ex-síndico de tentar provar que realmente os serviços custaram o que foi dito.
Do contrário, sofrerá fragorosa derrota judicial na ação que patrocinamos em prol do condomínio e contra os interesses dele.
Por isso, podemos afirmar: é dificílimo provar o ato corrupto, mas não é impossível.
Cabe a todos os condôminos fiscalizar o síndico e compete ao síndico agir com transparência.
Um abraço e até o próximo post.
por Alexandre Gossn
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